Em novembro de 2013 iniciou-se, na Ucrânia, uma onda de protestos em torno do parlamento do país, cuja motivação principal era a não assinatura de um tratado de livre-comércio comércio com a União Europeia. Esse episódio acirrou ainda mais as diferenças entre os dois principais grupos políticos ucranianos: os “pró-ocidente” e os mais próximos à Rússia.
A decisão de “adiar” o acordo, tomada pelo governo ucraniano, foi em grande parte motivada pela influência russa no país, que não vê com bons olhos a sua aproximação com o bloco europeu. Uma significativa parcela da população e grupos políticos opositores ficaram bastante descontentes com a postura submissa do governo e iniciaram as manifestações que, apesar da renúncia do primeiro-ministro Mykola Azarov em janeiro de 2014, parecem ainda estar longe de acabar.
A Ucrânia é um país de regime semipresidencialista, ou seja, o gabinete e as funções executivas nacionais são divididos entre o presidente (com mandato de cinco anos) e o primeiro-ministro, além de uma influência mais destacada do parlamento. O presidente ucraniano é Viktor Yanukovich, uma personalidade polêmica no país em virtude dos eventos eleitorais relacionados com a Revolução Laranja de 2004, o que o torna inimigo de uma poderosa e influente oposição “pró-ocidente”, a mesma que atualmente lidera boa parte das manifestações no país.
Quem são os manifestantes?
Os opositores ao governo de Yanukovich e da administração de Azarov são formados por várias frentes políticas, a maior parte constituída pela parcela da população mais “ocidental”, ou seja, mais próxima culturalmente da Europa, diferentemente dos 30% dos habitantes que falam russo e possuem uma cultura mais próxima ao país vizinho.
O principal líder e organizador dos protestos é Vitali Klitschko, uma personalidade esportiva do país (ex-campeão de boxe) e que se tornou também uma figura política, com intenções de, inclusive, concorrer à presidência em 2015. Ele atualmente lidera o movimento denominado Udar (“soco”, em tradução livre), que vem mostrando uma ampla frente de mobilização.
Outra força que está atualmente compondo as manifestações é o partido político Svoboda (que significa “liberdade”), liderado por Oleh Tyahnybok e que possui caráter nacionalista, sendo frequentemente acusado de possuir um caráter puramente fascista. Esse partido traz consigo outras frentes de extrema direita, como o Bratstvo e o Setor Direito.
Além dessas frentes, ainda existem grupos de esquerda e até anarquistas que buscam ganhar espaço com as manifestações. Esse grupo, minoritário, não objetiva defender o tratado com a União Europeia – causa maior das manifestações –, mas lutar por melhores condições sociais e atenuação dos índices de pobreza e desigualdade na Ucrânia.
Mas, sem dúvidas, a frente de oposição mais influente sob o ponto de vista internacional é o Pátria, segundo maior partido do país (atrás somente da frente governista), liderado por Arseniy Yatsenyuk, um militante extremamente próximo a Yulia Tymoshenko, ex-primeira-ministra do país presa por abuso de poder em 2009, uma das principais personalidades da Revolução Laranja de 2004.
Yulia Tysmoshenko, ex-primeira-ministra da Ucrânia
Yulia Tymoshenko e a Revolução Laranja de 2004
A Revolução Laranja foi uma série de protestos que tomou as ruas – de forma semelhante a que se iniciou no final de 2013 – durante as eleições presidenciais de 2004 e que se encerrou apenas no ano seguinte. A disputa eleitoral envolveu o atual presidente Viktor Yanukovich (mais próximo à Rússia) e Viktor Yushchenko (mais favorável à União Europeia), resultando na vitória do primeiro.
A oposição, no entanto, não acatou o resultado oficial, sobretudo, em virtude das inúmeras fraudes, imposições e ameaças ocorridas durante a realização do pleito, o que culminou em uma série de manifestações, a maioria delas liderada por Yulia Tymoshenko e o seu grupo, que ficou conhecido como “Bloco Yulia Tymoshenko”.
O evento resultou no cancelamento das eleições e em um novo segundo turno em 2005, com vitória para Victor Tymoshenko, que se aliou à Yulia, nomeando-a primeira-ministra de seu governo. Yanukovich, derrotado, conseguiu se eleger apenas nas eleições posteriores, em 2010.
No ano de 2009, Yulia Tymoshenko foi acusada de abuso de poder durante um acordo sobre a comercialização de gás natural com a Rússia, episódio que resultou em sua rápida condenação. A Europa aceitou a versão da ex-premiê de que a sua prisão teria sido de caráter puramente político, tornando a sua causa famosa internacionalmente.
As sanções contra os protestos
Com a resistência do governo ucraniano em não aderir à causa das manifestações de assinar o acordo de livre-comércio com a União Europeia, os militantes passaram a exigir a renúncia do presidente e do primeiro-ministro do país, apontados como os principais responsáveis pela influência russa nas decisões nacionais.
Sob a alegação de que os manifestantes utilizavam formas ilegais e violência exagerada durantes os protestos, o parlamento aprovou uma série de leis para reprimi-los duramente, principalmente através do uso da força policial. Essas medidas foram seriamente criticadas pela comunidade internacional, sobretudo após a morte de manifestantes em janeiro de 2014. Os Estados Unidos chegaram a ameaçar a imposição de sanções contra a Ucrânia caso as violações aos direitos humanos prosseguissem. No dia 28 de janeiro, após uma série de negociações entre governo e oposição, o presidente decidiu revogar as leis de repressão aos protestos.
A Renúncia de Mykola Azarov
O auge da tensão do país iniciou-se no dia 23 de Janeiro de 2014, quando cinco manifestantes morreram em confronto com a polícia, além dos inúmeros feridos. No mesmo dia, negociações foram realizadas sem sucesso, o que proporcionou a invasão de várias sedes do governo em diversas regiões do país. Além disso, os opositores também conseguiram invadir a Casa Ucraniana, na cidade de Kiev, e o Ministério da Justiça, que ficou sob o seu controle.
Dois dias depois, o governo ucraniano, mediante a elevação da tensão, ofereceu os cargos de primeiro-ministro ao líder Arseniy Yatsenyuk e o de vice-primeiro-ministro ao boxeador Vitali Klitschko, oferta prontamente recusada pela oposição. No entanto, as negociações continuam.
Em 28 de Janeiro, com o objetivo de diminuir o ímpeto das manifestações, o primeiro-ministro Mykola Arazov pediu a sua demissão. No entanto, a estratégia, ao menos até o momento, não surtiu efeito e os opositores continuam em protestos em exigência à renúncia também do presidente Yanukovich.
A influência russa e europeia sobre a Ucrânia
A ocorrência da crise política na Ucrânia, com a intensificação dos protestos, é o estopim de uma instabilidade política que marca a região há vários anos. A extinta União Soviética – da qual o território ucraniano era integrado – industrializou-se por meio de uma integração estrutural envolvendo todas as suas repúblicas, com o objetivo de garantir uma maior estabilidade territorial. Após a queda do Muro de Berlim, os países ex-soviéticos encontravam-se muito interdependentes, fato que se mantém ainda hoje em muitos aspectos.
Atualmente, a Ucrânia depende comercial e economicamente da Rússia, sobretudo por esta lhe fornecer gás natural, fonte de energia primordial ao país, e por ser o principal comprador de inúmeras matérias-primas produzidas pela economia ucraniana. Quando a Ucrânia se aproximou da União Europeia, a Rússia ofereceu melhores acordos econômicos e, segundo algumas versões não confirmadas oficialmente, ameaçou cortar o fornecimento de gás e a compra dos produtos ucranianos, além de impor restrições alfandegárias.
Por outro lado, a União Europeia, sobretudo a Alemanha, busca ampliar a sua influência sobre as nações asiáticas mais próximas ao ocidente, como é o caso da Ucrânia. Com isso, o bloco europeu conseguiria enfraquecer o domínio russo na região e também diminuir o poder da CEI (Comunidade dos Estados Independentes), bloco econômico formado pelas antigas repúblicas soviéticas.
Fonte: Brasil Escola.
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